E agora, São Paulo ?

LUIZ CARLOS COSTA*

Desde o início da elaboração do Plano Diretor Estratégico de São Paulo e de seu zoneamento, uma parte dos urbanistas que há décadas trabalham sobre o tema, tem protestado contra duas diretrizes adotadas sem justificativa:

Primeiro a de liberalizar o setor imobiliário para produzir edifícios muito maiores que os permitidos até agora sem condicioná-los à capacidade de suporte das zonas nem à diretrizes democraticamente definidas para os bairros atingidos;

Segundo a de limitar o zoneamento à imposição de parâmetros técnicos dos edifícios implantados em qualquer ponto de grandes zonas heterogêneas , sem definir normas que orientassem o desenvolvimento harmônico de cada bairro ou zona específica.

Embora tivéssemos apresentado nossas discordâncias e propostas no Conselho Municipal de Política Urbana e em nosso Blog (https://luizcarloscosta1935.wordpress.com), a condução dos trabalhos impôs restrições inaceitáveis à participação da Sociedade Civil na orientação dos trabalhos e nas Audiências Públicas.

É mais que sabido que em toda a experiência internacional de planejamento urbano, o interesse coletivo de superar os  problemas estruturais da cidade exige a definição precisa, em cada zona, dos usos do solo que podem  ou não ser implantados em cada terreno em função das limitações e potencialidades de cada bairro e das características quantitativas e volumétricas de cada novo edifício.

Isso, tendo sempre em vista evitar que os bairros evoluam apenas ao sabor de iniciativas  aleatórias do mercado imobiliário voltado para a maximização do lucro, insensível aos prejuízos causados ao conjunto da população e aos usuários portadores de necessidades e direitos , inclusiva o de usufruirem de espaços urbanos de qualidade com desenho urbano  aprazível e criativo

Para tanto interessa absolutamente um planejamento objetivo, lúcido e preciso do uso do solo, calcado em diagnostico das peculiaridades e possibilidades de cada zona possíveis de serem aproveitadas no contexto de cada via, quadra ou conjunto urbano passível de reurbanização.

Isso porque é nessa escala local que terão de se definir  as normas locais que defenderão os cidadãos  da ação irresponsável do mercado que permitiria por exemplo a implantação em terreno contíguo ou vizinho aos imóveis exixtentes de enormes edifícios  que retirarão suas condições de insolação, ventilação ou privacidade  .além  de gerar congestionamento permanente das vias de acesso e do meio ambiente,  ou  a expulsão da população de mais baixa renda (a chamada gentrificação).

Em conseqüência destas e outras lacunas e imprecisões, pode-se afirmar que o zoneamento apresentado, ao em vez de harmonizar as relações entre os vários agentes privados ou públicos influentes no uso do solo, toma partido de preservar, sobretudo os interesses comerciais do setor imobiliário, permitindo-lhe continuar a atuar de forma dominante sobre os interesses coletivos.

Nessa perspectiva o zoneamento proposto     não pode ser considerado coerente com os princípios e instrumentos definidos no Estatuto da Cidade que regulamentou a política de desenvolvimento urbano instituída pela Constituição de 1988. Ao contrário, agrava os problemas críticos da grande cidade, favorece o domínio do poder econômico sobre os direitos civis e desprotege o interesse coletivo presente nas diferentes regiões, bairros e zonas da cidade. .

Além dissso  pode-se afirmar que nenhuma das grandes questões que vitimizam a  cidade em crise foram consistentemente equacionadas  e resolvidas: Nem a dos transportes e mobilidade que paraliza a cidade,  nem a do saneamenteo básico e das inundações que vitimizam cada ano milhões de cidadãos, nem a das carências crônicas de serviços públicos, vigorosamente reclamados por toda a população no campo da educação, saúde pública, lazer  e vida social, nem o da qualificação urbanística das zonas que tendem a se adensar indefinidamente, nem a da urbanização das zonas populares invadidas e autoconstruida sem qualquer critério, único destino que resta aos  que não tem renda suficiente para serem atendidos pelo mercado imobiliário e são obrigados a viver  com padrões habitacionais e urbanos inaceitáveis que dividem a cidade e a sociedade .

Tampouco o zoneamento implanta um sistema de produção imobiliária que permita ao poder público captar recursos e terras suficientes para produzir infraestrutura e equipamentos urbanos tornados necessários para atender a urbanização compacta proposta.

Definitivamente não é esse o planejamento urbano que a Sociedade esperava para implementar os princípios e instrumentos definidos no Estatuto da Cidade onde o caráter democrático teria de ser garantido por uma participação popular continuada que efetivamente não ocorreu.

Desta forma a comunidade paulistana continua a esperar por um Planejamento demonstradamente eficaz, viável e socialmente justo que venha a ser elaborado.Seja imediatamente,  na hipótese de impugnação do Plano por via judicial. Seja na hipótese de, em uma nova Administração municipal, o Plano Diretor Estratégico e a lei de zoneamento serem reelaborados com tempo suficiente e critérios científicos e democráticos  que faltaram às propostas ora formuladas.

Outras analises sobre o tema estão no blog www.luizcarloscosta1935.wordpress.com

Luiz Carlos Costa, 80, é professor de planejamento urbano aposentado da FAU USP Coordenador do projeto Plano Diretor de São Paulo em várias Administrações.

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São Paulo diante de um Plano Diretor problemático

LUIZ CARLOS COSTA *

 Dá o que pensar a atitude da Prefeitura de São Paulo de evitar um debate franco e objetivo do Projeto de Plano Diretor cuja minuta divulgou recentemente.

Esta atitude evasiva se concretizou ao ser apresentado no final de Agosto  um projeto de lei excepcionalmente complexo e volumoso (são 256 artigos longos) sem oferecer à sociedade condições mínimas para que se inteirasse de todo o projeto e elaborasse suas críticas e contra-propostas.

Tendo limitado o debate a poucas semanas e a duas audiências públicas, a Administração municipal parece ter esquecido que este Plano estratégico e de longo prazo não é seu, mas de toda a sociedade. Ou que as determinações constitucionais expressas no Estatuto da Cidade exigem plena participação popular em todas as partes e etapas de sua elaboração

Na verdade ficou impossível ao cidadão comum perceber, por exemplo,  o quanto o projeto oficial reforça, em vez de inibir, a excessiva liberdade concedida ao setor imobiliário, para multiplicar indefinidamente os grandes empreendimentos que invadem os bairros constituídos, sem atenção aos efeitos danosos que provocam.

São problemas conhecidos dos cidadãos como os congestionamentos paralisantes, a deterioração ambiental associada a saturação das áreas construídas,  a expulsão de moradores de renda mais baixa ou a desestruturação de bairros passíveis de recuperação.

Ao contrário, o Plano autoriza que, em áreas muito extensas, empreendimentos densificadores e elitizantes se multipliquem à vontade desde que paguem pelo direito de construir mais, recursos que nunca são suficientes para permitir ao poder público atender às demandas decorrentes do uso excessivo do solo.

Por outro lado,  o Plano não prevê que, além das Zonas Especiais instituidas,  seja garantida às comunidades a oportunidade de formular normas públicas válidas para Zonas Comuns, conforme diretrizes do próprio Plano Diretor, pelas quais se preservasse a  qualidade urbanística e ambiental e se  conciliassem  interesses locais divergentes.

Sejam os interesses do setor imobiliário de atender o mercado, sejam os do setor público de produzir infraestruturas e serviços necessários, sejam os das associações de moradores e comunidades que lutam por determinados padrões imobiliários e urbanos e por melhor qualidade habitacional.

Outro problema do Plano é que sua proposta para a reestruturação geral do território urbano demonstra-se débil e incompleta . Ela é centrada na constituição de faixas adensadas e com padrões construtivos próprios que ladeariam os corredores de ônibus ( em boa hora propostos), mas que, ao se sobreporem automaticamente a quadras e  bairros existentes, criariam fraturas e problemas imprevisíveis.

O fato é que o Plano não chega a propor um projeto de reestruturação territorial mínimamente completo e consistente, capaz de reorientar vigorosamente a produção da cidade do futuro.

Projeto que teria de definir, em primeiro lugar, um sistema de transportes de grande capacidade, demonstradamente capaz de atender a todas as demandas localizadas, atuais e futuras, e criar a base de cálculo dos potenciais construtivos dos diferentes segmentos do território

Esse sistema  só poderá  ser viabilizado com um esforço inédito de todos os poderes públicos atuantes na setor, notadamente os responsáveis pelo transporte de massa como trens e metro.

Alem disso, a estrutura territorial a propor  teria de dar suporte ao desenvolvimento de todas as partes da cidade, integrando os vários polos de atividade econômica e social, desenvolvendo o novo centro metropolitano expandido e promovendo a formação de macrorregiões que ganhem progressivamente autonomia funcional que melhorasse a governança da imensa cidade.

Quanto ao Centro metropolitano, cabe observar que o Plano proposto não apresentou ainda uma síntese consistente de várias estudos em desenvolvimento paralelo, ainda não concluídos, concernentes ao Arco do Futuro, Arco do Tietê e Operação Agua Branca

Considerando as razões mencionadas,, fica difícil à coletividade paulistana reconhecer no Plano Diretor apressadamente concluído, um nível de consistência e amadurecimento necessário para conduzir com segurança a cidade de São Paulo ao futuro desejado.

Resta a esperança contudo que se institua um novo período de discussão no qual o Executivo se digne a examinar  as críticas formuladas, unica forma, a nosso ver, de se evitar a adoção intempestiva de processos executivos e normativos que comprometam irreversivelmente o futuro da metrópole.

Outras analises sobre o tema estão no blog www.luizcarloscosta1935.wordpress.com

Luiz Carlos Costa, 78, professor-doutor aposentado de Planejamento Urbano na FAU-USP, foi diretor técnico do Plano Diretor em diferentes gestões.Hoje é consultor em Planejamento Urbano e diretor do Movimento Defenda São Paulo. luizcarloscosta1935@gmail.com

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Parecer sobre a minuta do Plano Diretor

 

 

A necessidade de uma discussão democrática do Plano Diretor é tanto mais grave quando se considera que na minuta apresentada existem aspectos de importância crucial, ainda não debatidos, que envolvem interesses fundamentais da Sociedade na transformação no processo de produção, apropriação e uso da cidade. Uma vez que o processo de participação por via eletrônica referida a cada artigo da Minuta não consegue apreender esses aspectos cruciais, torna-se fundamental para a interlocução democrática da prefeitura com a sociedade que esses aspectos sejam esclarecidos.

O que se deseja é que os formuladores do plano tenham a oportunidade de se situar ante esses aspecto críticos seja aceitando as sugestões apresentadas, seja confirmando a orientação assumida e a nosso ver insuficientemente debatida.

Para isso parece indispensável que seja criado um curto período suplementar de participação popular em que os referidos aspectos sejam debatidos, esclarecidos e respondidos com o nível de seriedade e democracia que temos o direito de esperar da atual administração.

O que, a nosso ver, não ocorrerá se não for alterado o processo altamente restritivo de participação popular que foi imposto pela Coordenação do PDE visando o envio imediato do projeto de lei à Câmara, e que exclui o debate de mudanças estruturais do Plano que estão em questão.

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Desses aspectos de importância crucial, limitamo-nos por ora a destacar os quatro seguintes.

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O primeiro deles é que o Projeto confere uma desmedida ampliação da liberdade que anteriormente já tinha sido concedida ao setor imobiliário para a livre multiplicação de empreendimentos imobiliários de grande porte que, desde o boom imobiliário iniciado na década passada, invadem os bairros consolidados da cidade. Processo que vem gerando para a coletividade efeitos indesejados, como: o agravamento insuportável dos congestionamentos, a desestruturação de bairros consolidados, a expulsão de moradores e usuários de menor nível de renda, o agravamento de problemas ambientais ligados a saturação construtiva, (como poluição, prejuízo do micro clima, ilhas de calor), ou a ocupação de terrenos necessários a preservação ambiental ou a implantação de equipamentos  e programas públicos.

Face a esses problemas os moradores da cidade somente podem se defender e produzir um espaço urbano compatível com os interesses e direitos de toda sociedade através de uma política de uso do solo competente conjugada a programas públicos ampliados de equipamentos e serviços.

O que só pode ser feito pela ação competente do poder público na defesa aos direitos de todos os segmentos da sociedade participarem da construção de uma cidade eficiente, igualitária, e sustentável na qual todos os bairros e zonas sejam submetidos a um planejamento urbanístico competente e normas legais que a segurem aos cidadãos e coletividades que suas necessidades e aspirações serão atendidas no limite das  possibilidades reais.

Assim sendo fomos surpreendidos pelas diretrizes de uso do solo contidas no Projeto, ora apresentado, que reforça a ampla liberdade antes concedida ao setor imobiliário de multiplicar indefinidamente seus empreendimentos de porte e padrão mais convenientes a sua lucratividade, independente dos mencionados prejuízos causados aos interesses coletivos. Isso, apesar da ser previsível que a continuidade dessa produção convergirá em breve para o colapso da cidade e a perda dos benefícios urbanos desfrutados pela maioria da população.

Essa liberalidade se manifesta em particular pela possibilidade de novos empreendimentos capazes de atingir o índice 4 de aproveitamento dos terrenos se reproduzirem sem limites, independente da capacidade de suporte das zonas específicas em que se localizam e sem qualquer evidencia de que a aquisição dos direitos de construir extraordinários esteja possibilitando ao poder público a produção de infra-estruturas, equipamentos, serviços,  espaços públicos e programas exigidos pelas demandas criadas ou a produção suficiente de habitações populares.

Na verdade, nada pode justificar este privilegiamento concedido aos interesses imediatos do capital, em prejuízo das necessidades e direitos dos cidadãos usuários da cidade, que o poder público deve proteger em prioridade.

Sobretudo se, como pode ser demonstrado, isso conduza a situações de fato impossíveis de correção, convenientes para o lucro imediato dos empreendimentos, mas definitivamente comprometedores da cidade do futuro.

2

Um segundo ponto crucial de projeto apresentado refere-se à debilidade das proposições relativas à organização geral do espaço urbano, notadamente na chamada Macroárea de Estruturação e Qualificação Urbana.

Esta área de urbanização consolidada intensamente disputada pelas forças sociais aparece nos mapas produzidos como vazia de proposições, fazendo supor que seja entregue à lógica de mercado, apesar das evidencias que esta não conduz espontaneamente a cidade desejada. Antes, cria problemas que só podem ser enfrentados pela ação previdente, normativa e executiva do poder público em defesa da funcionalidade do espaço produzido para o desenvolvimento econômico, social e ambiental da Macrozona.

Assim, não se explica como se localizam e integram os elementos estruturais que sustentarão o desenvolvimento urbano dessa área, tais como o novo sistema de transportes e vias que seja suficiente para absorver as demandas atuais e futuras, bem como para articular todas as regiões, zonas e bairros da cidade. Isso de acordo com diretrizes que conduzam a um novo centro metropolitano ampliará o centro atual, e com  o desenvolvimento de subcentros de comércio e serviço e vida social e  centros de atividade industrial e atacadista.

Nessa macrozona o novo Plano  propõe apenas alguns elementos parciais ou isolados cujo poder estruturador não é bem demonstrado, notadamente a Rede de Estruturação Urbana Futura dependente de novos corredores de ônibus e da atual configuração dos sistemas de metro e trens urbanos.

A compreensão da abrangência e significado dessa rede está muito prejudicada pela falta de mapas com escala e conteúdo adequados para a compreensão dos cidadãos. Mapas que se fossem plotados sobre uma imagem de ruas e quadras com nomenclatura legível permitiriam perceber como se situa no quadro da cidade real.

Sabe-se que sobre a faixa esquematicamente traçada dessa rede propõe-se um adensamento populacional e construtivo a ser obtido com padrões urbanos especiais, sem que se demonstre ainda o quanto o corredor de ônibus (carregado em toda sua extensão) será capaz de absorver as demandas originadas nas áreas lindeiras e quanto o adensamento pretendido nessa área poderá ser produzido, sem prejuízo inaceitável para os moradores e usuários já instalados ou para a paisagem urbana que resultar da implantação automática das novas edificações sobre as ruas e quadras existentes.

Parece inevitável que o traçado esquemático apresentado da faixa a ser reurbanizada tenha de ser complementado com um estudo mais preciso de seus efeitos físicos e funcionais e de sua compatibilidade com padrões urbanos pré-existente.

Trata-se, em suma, da necessidade de novos esclarecimentos sobre o que essa faixa significa quando aplicada a cidade real e como ela se harmonizará com as diretrizes de transformação do novo centro metropolitano expandido ou com a  implantação do Arco do Futuro, supostamente criador de novas centralidades, possivelmente decorrentes de operações urbanas locais situadas sobre eixos de grande capacidade.

3

Um terceiro aspecto crucial do Plano refere-se a necessidade de ser proposto um sistema principal de transportes e vias capaz de estruturar toda a cidade e efetivamente atender às necessidades atuais e futuras de deslocamentos. Somente assim seria possível eliminar a eminência de paralisação da cidade  e a superar os imensos prejuízos que a falta de mobilidade impõe à todas as classes sociais e à economia da Região.

Esse sistema teria de ser necessariamente calcado sobre o estudo de demandas quantificadas e localizadas, não pode deixar de incluir a definição de futuras redes de metro e trens urbanos atualmente administrados pelo Estado.

Por obvias razões é preciso que a formulação desse sistema seja feito de forma flexível e indicativa, mas suficientemente precisa para condicionar o uso do solo a ser planejado, permitindo alguma definição confiável da capacidade de suporte  das unidades territoriais menores que as Macroáreas (como por exemplo, os distritos) cujo potencial construtivo global possa ser dividido pelas unidades de um zoneamento comum.

4

Um quarto aspecto crucial do projeto minutado é a falta de ênfase no papel a ser desempenhado pelo Planejamento regional  e pelas zonas comuns a serem criadas em todo o território da cidade. Estas zonas são apenas mencionadas no Art. 72 (Zoneamento Geral) e não são mais tratadas, perdendo logo espaço para as propostas de Zonas Especiais. No entanto essas zonas comuns são a única instancia de planejamento em que é possível operacionalizar a maior parte dos objetivos e diretrizes definidas para as macrozonas  e  para   o controle da realidade urbana referido no Art. 24 e 25.)

Falta portanto na minuta apresentada caracterizar como será obrigatoriamente realizado esse planejamento mais diretamente  ligado aos interesses  da população  e  à operacionalidade das normas e empreendimentos transformadores do quadro urbano concreto em função das necessidades do cotidiano e da defesa do meio ambiente.

Ele terá de se desenvolver necessáriamente logo após a aprovação do PDE, com conteúdos variáveis em cada caso, de acordo com as características do território urbanizado, a gravidade dos problemas específicos e o vigor com que a sociedade civil exigie o atendimento de sua demandas e preferências.  Isso terá de se fazer obviamente de forma coerente com as decisões do mesmo PDE, quanto às políticas públicas nele formuladas, as Zonas Especiais nele demarcadas, bem como com os parâmetros de uso do solo possíveis de serem definidos para parcelas específicas do espaço urbano consideradas no Plano Geral de estruturação urbana.

Nesse campo de grandes possibilidades criativas a participação dos cidadãos e das comunidades terá de ter uma dinâmica própria que permita orientar a reurbanização contínua dos espaços concretos em que a vida se organiza e onde se poderá decidir democraticamente que  padrões imobiliários e urbanos previamente definidos  serão apropriados às diferentes zonas comuns e quais as normas legais de uso e ocupação do solo deverão aí ser adotada, inclusive para condicionar a concessão onerosa de direitos extraordinários de construir.

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Considerando a importância dos esclarecimentos e discussões sobre os aspectos cruciais do PDE acima mencionados, queremos propor:

  • Que, seja ampliada a discussão do Plano Diretor de forma a permitir à coordenação dos trabalhos que reveja a minuta realizada de forma a atender às necessidades de esclarecimentos e alterações relativos aos pontos cruciais levantados.
  • Que, após a distribuição das alterações introduzidas no texto a sociedade tenha o tempo suficiente para formulação ou reformulações das sugestões encaminhadas por via eletrônica para os artigos revistos.
  • Que, em conseqüência se amplie pelo menos por dois meses o prazo para o envio do projeto de lei do PDE à Câmara Municipal.

Luiz Carlos Costa

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Manifestação de Entidades relativa ao encaminhamento em curso da revisão do Plano Diretor Estratégico

Tendo acompanhado e participado da primeira fase do programa de elaboração do Plano Diretor, entidades da Sociedade Civil que  subscrevem o presente manifesto, vem apresentar de público à Coordenação do Plano Diretor as seguintes considerações e propostas que visam viabilizar a participação que ora nos é solicitada.

Elas o fazem por se sentirem  comprometidas com o objetivo de efetivar o papel transformador e democrático desse Plano,  tal como é exigido pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Cidade.

Preocupa-nos em especial a tendência da atual administração de admitir que o novo Plano Diretor 2013-2023 possa ser uma mera revisão do Plano Diretor 2002-2012 e das propostas de sua revisão que foram apresentadas na gestão passada. Propostas que foram repetidamente contestadas pela Sociedade Civil quanto a seu conteúdo e democracia, a ponto de serem  invalidadas pelo Judiciário, a partir de firme atuação do Ministério Público.

Essas objeções basearam-se, em primeiro lugar, no fato dessas propostas terem se demonstrado insuficientes para equacionar e resolver os problemas críticos de transportes, habitação, infraestrutura , meio-ambiente  e controle do uso do solo.  Em segundo lugar basearam-se na forma autoritária com que, cedendo-se a pressões das  forças econômicas determinadas em fazer aprovar rapidamente dispositivos de seu exclusivo interesse, evitou-se o efetivo debate público que  conferiria ao Plano o caráter participativo, constitucionalmente exigido.

Passados 10 anos de tentativas frustradas para se chegar ao Planejamento Estratégico com soluções convincentes daqueles problemas, não restam dúvidas de que a cidade precisa de um Plano inteiramente novo, cuja competência na sua formulação e democracia na participação dos cidadãos, não possam mais ser contestadas.

Não temos dúvida que esse novo Plano  precisa ser logrado a qualquer custo, mesmo que sua elaboração e aprovação consuma tempo e esforços extraordinários necessários para fazê-lo  capaz de transformar radicalmente a cidade, tornando-a muito mais eficaz economicamente, socialmente justa e ambientalmente sustentável que é o que interessa a todos os cidadãos.

Para todos os que, de há muito, vêm estudando a cidade  tornou-se claro que esse objetivo não pode ser logrado se o processo de produção, apropriação e uso do espaço urbano, hoje dominado pelos interesses do lucro, não for radicalmente alterado em favor de resultados que interessam a toda a sociedade. Em especial às classes trabalhadoras que têm direitos legítimos de reivindicar condições de vida condigna em ambientes urbanos de qualidade.

Sabemos, que esses objetivos não podem ser atingidos dentro da pura lógica do mercado pois sempre haverá parcelas da população e dos usuários da cidade cujo nível de renda não lhes permite instalar-se na cidade, senão em áreas desvalorizadas justamente por não oferecerem  condições de uso satisfatórias.

Assim o poder público sempre teve a função inalienável de intervir no processo urbano, seja pela produção de equipamentos e serviços e espaços públicos, seja pela regulação da produção imobiliária e do uso do solo. O que sempre dependeu  das condições políticas com que contaram os governos para  valorizar a participação da Sociedade Civil na dinâmica urbana e para neutralizar a influência indevida do poder econômico na gestão da cidade

Tornava-se evidente que as promessas de um atendimento substancialmente melhor das reinvindicações populares somente poderia se concretizar se o poder público lograsse instituir um Plano Diretor do desenvolvimento urbano que, com apoio em todas as forças sociais, fosse capaz de recondicionar, política, legal  e administrativamente, a ação de todos os agentes urbanos de importância decisiva nas transformações da cidade

Para isso, seria fundamental que o poder público promotor do Plano se comprometesse previamente  em  mobilizar,  sem exclusão, todas as forças  e instituições sociais que quisessem participar da elaboração do mesmo. E para tanto oferecer garantias reclamáveis, de que se manteria isento face aos interesses em jogo e promoveria processos de total transparência na condução das decisões-chave do Plano. O que obviamente  implicaria em combater, ao invés de admitir, a possibilidade das decisões estratégicas consagradas no Plano serem induzidas por pressão de forças econômicas apenas centradas em benefícios próprios e imediatos

Ora, essa expectativa a nosso ver não está sendo comprovada pelo encaminhamento ora seguido pela Coordenação do Plano ao adotar  massivamente as propostas elaboradas na década passada das quais muitas jamais puderam ser completadas e muito menos  implementadas ou avaliadas.  Ou ainda por centrar sua discussão em práticas “assembleísticas” nas quais, nem se conhece com precisão as propostas em pauta apenas sinalizadas genericamente por discursos orientados pelo PowerPoint, nem se oferece à Sociedade Civil o mínimo de condições – de tempo, informação e reflexão – para apresentar suas dúvidas, criticas e propostas alternativas.

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Assim sendo, vimos apresentar algumas sugestões de método que nos parecem essenciais para efetivar o caráter objetivo e participativo com que se  comprometeu a atual Administração

Dessas sugestões as duas primeiras referem-se às condições em que se pretende colher da Sociedade Civil contribuições consistentes à formulação do Plano, tarefa que sempre consideramos impossível de ser cumprida no exíguo prazo programado ( mês de junho), sobretudo tendo-se por base a  informação superficial e difusa das propostas formuladas na década  anterior.

A primeira sugestão é que inicialmente se elabore e divulgue um texto síntese preliminar, esclarecedor do que a Coordenação dos trabalhos entenda como conteúdo atualizado, válido em 2013, das diferentes proposições surgidas na década anterior, excluídos os conteúdos não justificados ou consistentemente contestados.

Esse texto síntese diria respeito, no mínimo, aos seguintes temas:

– Objetivos Centrais do Plano Diretor;

– Princípios e Estratégias Gerais para a realização dos objetivos propostos;

– Diretrizes e elementos chave de políticas públicas integrantes do Plano e

– Diretrizes de coordenação político institucional exigidas pelo Plano.

As x comprometidas com o objetivo de efetivar o papel transformador e democrático desse Plano,  tal como é exigido pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Cidade, mencionadas abrangeriam, em primeiro lugar, as políticas setoriais diretamente dependentes da esfera pública que foram mais insistentemente demandadas pelas recentes manifestações populares.  Incluindo portanto:

– Transportes e mobilidade;

– Habitação Popular;

– Qualidade ambiental; e

– sistemas públicos de infraestrutura, notadamente de saneamento básico e drenagem

-Equipamentos sociais de importância essencial como os de Segurança, Educação, Saúde ou Recreação.)

Em segundo lugar, abrangeriam as políticas de caráter urbanístico, tanto as  que regulariam  a produção imobiliária e o uso do solo por zonas urbanas, como a política de estruturação geral do território urbano,  a ser configurada em um plano urbanístico básico de longo prazo, condicionador da ação executiva e normativa de todos os agentes públicos determinantes da estruturação da cidade.

Uma segunda sugestão é que se organizem comissões temáticas para a discussão de cada uma dessas políticas, nas quais se se viabilize um diálogo objetivo da Administração com os setores da Sociedade mais interessados e preparados para tratar de problemas de cada área em função das lutas sociais e alternativas técnicas que vêm sendo desenvolvidas ao longo do tempo. Nessas comissões haveria de se criar condições para o confronto necessário das proposições públicas e dos setores sociais envolvidos, permitindo evitar que as primeiras acabassem predominando por razões do jogo político menor sem que houvesse possibilidade das organizações  sociais questionarem sua real viabilidade e eficiência e para os objetivos fixados. Essas Comissões temáticas teriam ainda a função de facilitar a manifestação e compreesão dos conflitos de princípios, interesses e orientações alternativas que não poderiam ser facilmente captados numa assembléia ampla por região, onde cada tema só pudesse contar com um numero reduzido de interlocutores interessados e competentes.

Uma terceira sugestão é que os debates a nível regional fossem organizados com base nos textos síntese e nos relatórios das  Comissões temáticas acima propostos,  o que aumentaria extraordinariamente o nível de conhecimento e capacidade propositiva dos debates regionalizados.

Caso adotadas essas sugestões, torna-se necessário em primeiro lugar que a coleta de críticas e propostas da Sociedade, irrealisticamente prevista para mês de julho, fosse reprogramadas a fim de serem criadas as condições necessárias para que essas contribuições sejam formuladas da forma minimamente fundamentada e precisa, indispensável a seu efetivo aproveitamento.

Na etapa subseqüente prevista pela Coordenação do Plano, seriam examinadas  as contribuições recebidas da Sociedade Civil e elaborada uma versão devolutiva incorporando todas as contribuições julgadas consistentes e fazendo as alterações necessárias para que o Plano alterado mantivesse sua coerência e eficácia. Como para essa complexa atividade foi  previsto apenas um mês (julho) será  obviamente necessária  uma reprogramação.

Na próxima etapa seria promovida uma discussão final  na Sociedade que permita à mesma avaliar até que ponto suas demandas e propostas foram efetivamente contempladas no texto devolutivo do Plano. Esse debate será fundamental para a formulação do projeto de lei do Plano Diretor que o Executivo enviará à Câmara Municipal e para subsidiar a apreciação dos Vereadores da vontade popular manifesta na livre discussão.

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Aceitas as perspectivas abertas com essas propostas, torna-se obviamente necessária uma revisão da programação dos trabalhos de formulação do Plano inicialmente proposto pela atual Administração.

Temos confiança que a reprogramação necessária será feita  em nome dos princípios de eficácia e democracia que marcaram a gestão municipal recentemente iniciada. Para tanto,porem parece-nos indispensável que o prefeito Haddad tenha um empenho especial para assegurar que o Plano Diretor se faça de forma criteriosa, independente e  legitimada., com tempo e condições indispensáveis à sua natureza e qualidade.

Ninguém duvida que para isso, será preciso conciliar sua elaboração com o enfrentamento imediato de problemas conjunturais inadiáveis que não podem esperar a conclusão do Plano Diretor, desde que não possam comprometer o conteúdo e implementação do mesmo.

Nada  porém justificaria que, em proveito de ações imediatistas e atomizadas, se  deixe de alocar tempo e energia suficientes para a elaboração do Plano Diretor que mude a história da cidade no sentidodos objetivos pelos  quais o conjunto dos cidadãos vem sonhando e lutando há décadas e que tem de se concretizar de forma definitiva nos próximos 20 ou 30 anos.

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Complementarmente gostaríamos de apresentar algumas considerações sobre as políticas públicas que deverão ser sintetizadas e postas em discussão junto à coletividade

Cabe sublinhar desde logo a importância dos objetivos, conteúdos e resultados que a Coordenação conseguir apontar como válidos para cada uma das políticas públicas mencionadas, sejam elas remanescentes dos planos de 2002/04 e suas revisões,  sejam  as esboçadas mais recentemente,  ante o novo quadro de agravamento dos problemas urbanos ocorrido na década passada.

O importante é que essas políticas sejam sintetizadas de forma tão simples , objetiva  e dIdática que permitam à toda a sociedade avaliar se estão ou não no caminho da solução efetiva dos impasses urbanos que vitimam os moradores,  usuários e contribuintes da cidade.

É obvio que não seria suficiente se elas arrolassem apenas os programas específicos que o município se dispusesse a desenvolver no limite de suas possibilidades e recursos imediatos,  no tempo de uma gestão.

O papel do prefeito nesse tipo de Plano é antes de tudo o de convocar e  articular todas as forças da sociedade e todo o aparato público para instituir uma Política de Estado duradoura que realmente desse  resposta possível a todas as demandas da sociedade.

Mesmo que isso implicasse em redefinir muitas das relações que hoje vinculam os integrantes do processo urbano. Ou em alterar substancialmente as funções  do Estado na cidade. Ou em criar um novo  aparato de planejamento e gestão que permitisse aos cidadãos e suas organizações fiscalizar continuamente a ação pública

Mesmo quando tenha de criar, através do  Plano para todos os governos que se sucederem no período de validade do Plano, a obrigação de seguir as mesmas políticas estratégicas de longo prazo neste fixada,  aplicando sua autoridade apenas sobre  aqueles  programas e projetos que seriam implementados em sua gestão.

Nessa perspectiva, mais importante que anunciar programas e projetos que o município possa decidir imediatamente, será esclarecer, para cada política : porque implementá-la, com que objetivos precisos, com que resultados e custos demonstráveis, com que distribuição de responsabilidades ou com que penalidades para os omissos.

A cidadania consciente não se pode abater ante a constatação que o planejamento recente esteve muito distante desses princípios e conteúdos. Nem que surpreendentemente estejamos  hoje diante da possibilidade de reeditarmos, para os próximos dez anos, os procedimentos equivocados ou tendenciosos desse período.

Nossa esperança reside na certeza de que o comando político do atual processo de Planejamento é perfeitamente capaz de, utilizando os amplos recursos tecnológicos hoje disponíveis, conferir ao Plano Diretor em elaboração a consistência técnica, a objetividade, a eficácia e a transparência necessárias para recuperar a confiança das forças sociais mais progressistas e atuantes. Inclusive as que, não se satisfazendo com as restritas oportunidades de expressão popular ora oferecidas pelo poder público preferem manifestar espontânea nas ruas as necessidades e demandas que não admitem sejam ignoradas.

Luiz Carlos Costa é membro titular do Conselho Municipal de desenvolvimento Urbano, Professor Doutor aposentado de Planejamento Urbano da FAUUSP e Diretor do Movimento Defenda São Paulo.

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Manifesto em Defesa de São Paulo contra Operação Urbana Água Branca

As organizações da sociedade civil afiliadas ou ao Movimento Defenda São Paulo vêm de público apresentar suas  críticas e sugestões ao conteúdo  do projeto da Operação Urbana Agua Branca ( PL n° 505/2012) e à forma tendenciosa e antidemocrática  pela qual ele foi e vem sendo encaminhado pelo Executivo e Legislativo municipais.

I        Elementos essenciais faltantes ao Projeto da Operação Urbana Consorciada Água Branca

Visando a esclarecer e justificar nosso ponto  de vista e, após análise detida do projeto de lei em pauta, queremos apresentar inicialmente nossa avaliação  sobre elementos essenciais, que a nosso ver, faltam ao  Projeto.

1-

Falta um cálculo confiável demonstrativo da suficiência das receitas públicas geradas pela Operação para cobrir os custos públicos que ela implica, o que condiciona o equilíbrio e autossuficiência econômico financeira da Operação. Esse equilíbrio é essencial para evitar que o Poder Público tenha de, ao final, aplicar na Operação parcela dos escassos  recursos de que dispõe para atender as necessidades e carências sociais que se agravam em toda a cidade, como os expressos nas recentes manifestações populares.

Faltam também as bases fundamentais desse cálculo, quais sejam:

a – A identificação da natureza, porte e custos dos  equipamentos e programas públicos envolvidos na Operação, posto que indispensáveis ao atendimento das necessidades das populações e atividades econômicas por ela afetados;

b – Estimativa fundamentada da produção imobiliária geradora de CEPACs comprovadamente possível de ser realizada na área ao longo do tempo, dadas as limitações de mercado e disponibilidade de áreas para empreender.

2-

Falta uma clara definição pelo Poder Público dos objetivos, estratégia geral,  princípios e normas que orientarão a Operação Urbana Consorciada da Água Branca e sua implementação no longo prazo de sua vigência. Isso porque  o projeto não explicita claramente   qual o padrão de urbanização que se deseja induzir em  cada segmento significativo do território planejado, estabelecido à luz do planejamento estratégico do conjunto  da cidade, do qual tenham participado representantes do setor imobiliário, da população e comunidades envolvidas.

Por outro lado, o projeto não define como, com que critérios  e sob que iniciativa e responsabilidade  se darão as operações previstas nas áreas já urbanizadas e parcialmente ocupadas, seja para a habilitação de áreas para  novos usos  (envolvendo desapropriações, demolições e remoções de ocupantes e reloteamento) sejam as  operações de transferência de áreas beneficiadas aos empreendedores imobiliários.

Somente assim seria possível definir em cada localidade e em cada etapa do processo,  onde, como, quando  e por quem serão promovidos os processos de reurbanização das áreas escolhidas, e qual o papel do setor público e do setor privado nesses processos.

À falta de explicitação dessas regras e princípios é de se prever que a aprovação do projeto exacerbe o processo (já iniciado) de expansão urbana dominado pelos empreendedores imobiliários apenas interessados em abrir novas possibilidades de promover lançamentos mais lucrativos, abstraindo a necessidade de se  produzirem, ao mesmo tempo, espaços e equipamentos coletivos necessários aos novos e antigos usuários e de se minimizarem  as remoções e destruições de bairros existentes. Dada o observado em outras áreas da cidade recentemente invadidas por  grandes e numerosos  empreendimentos imobiliários é previsível que, aprovado o projeto da OUCAB que cria  condições legais necessárias,  esta expansão se dará imediatamente, comprometendo   o desenvolvimento equilibrado e democrático de uma área de excepcional valor para toda a cidade.

Além disso, o projeto não se mostra capaz de impedir a reprodução de  resultados sociais e urbanísticos econômicos criticáveis, já denunciados em outras Operações Urbanas.  Como por exemplo: a desconsideração de direitos e interesses legítimos dos antigos usuários e proprietários; a expulsão sumária de moradores de  baixa renda;  a liberalidade com que se permite que novos empreendimentos ocupem quadras e  zonas de forma excessiva face ás exigências de acessibilidade, funcionalidade e meio ambiente.  Ou,  ainda, a permissão aos novos empreendedores, de se apropriarem, sem contrapartida significativa, de toda a  valorização imobiliária gerada pela Operação.

3-

Falta um desenho do conjunto da área adequado ao desenvolvimento eficaz e previdente pois o desenho proposto limita-se a um Plano de arruamento claramente favorável à imediata expansão do mesmo boom imobiliário que atinge toda a cidade, agora numa área historicamente preservada e passível de um planejamento inovador.

Em especial ressente-se de que, no desenho urbano do conjunto da área não estejam representados certos  elementos essenciais como os seguintes:

  • Um sistema de transportes e vias vigoroso capaz de sustentar a nova urbanização, conectada a sistemas regionais que deverão cruzar   a região e  integrada ao novo sistema principal de eixos e terminais da cidade;
  • A definição de macrozonas que dividam todo território permitindo distinguir as que seriam planejadas e reurbanizadas em prioridade para marcar o caráter da região e as que seriam preservadas para uma fase posterior em que for possível aproveitar da experiência acumulada nas primeiras e ajustar-se à variações da conjuntura econômica e político- administrativa;
  • Definição nas macrozonas prioritárias de um número mínimo de zonas residenciais destinadas às classes médias e populares;
  • Definição das áreas destinadas à expansão de um centro metropolitano de qualidade compatível com as novas funções centrais da cidade do futuro, a existir em poucas décadas mediante operações urbanas locais;
  • Um desenho urbano compatível com o desenvolvimento e aproveitamento proposto para a Região, em especial para seu aproveitamento como principal extensão do futuro Centro Metropolitano a ser implantado em poucas décadas;
  • A indicação de um conjunto de áreas dinâmicas, apoiadas em atividades motoras vigorosas, onde se desenvolvessem operações urbanas locais de grande impacto, capazes de gerar novas centralidades dotadas de padrões urbanos avançados  coerentes com a implantação do Arco do Futuro;
  • A definição de áreas preservadas, destinadas seja ao desenvolvimento das operações urbanas locais, seja para instalações e equipamentos  de grande porte e visibilidade, capazes de compor a nova paisagem da Cidade.  Desses últimos são exemplos a estudar: um grande Parque metropolitano central; Parques de exposições,  Centros de recreação , lazer e esportes;  atividades culturais e museus;
  • Definição – no conjunto da área – de zonas urbanas de diferentes portes e características  a serem sucessivamente e progressivamente planejadas   de acordo com os princípios da Operação Urbana,  inclusive quanto à produção suficiente de equipamentos coletivos, áreas de recreação, e habitação popular,  evitando-se sempre a abertura indiscriminada de grandes áreas que fiquem dependendo  apenas das iniciativas imobiliárias .

II-   Aspectos e significados do Projeto da Operação Urbana Consorciada Água Branca que não são aceitáveis pela cidadania e  sociedade civil

1-

Dada à pretensão de rápida discussão e aprovação de um projeto tão controvertido entendemos que está se reproduzindo um processo antidemocrático de  formulação e encaminhamento do projeto urbanístico, sem a participação popular constitucionalmente requerida. Tal como na Administração passada, esse procedimento autorizaria ações políticas e judiciais tanto contra o Executivo como contra o Legislativo municipal.

Contra o atual Executivo, por este ter apoiado e não corrigido  o envio do projeto pela Administração anterior sem qualquer participação popular ou  sequer  a consulta regulamentar aos Conselho Municipal de Política Urbana – CMPU e Conselho Municipal

de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – CADES.   Contra o Legislativo, por este ter recebido projeto irregularmente encaminhado e estar promovendo o mesmo tipo Audiência Pública já denunciado como enganoso e insuficiente para a participação popular, uma vez que a apresentação de criticas e propostas alternativas consistentes era inviabilizada pela limitação na informação prévia e no tempo de manifestação disponibilizados.

2-        

Criam-se na prática condições legais necessárias para que os empreendedores imobiliários implantem imediatamente seus projetos adensados e elitistas em toda a enorme área abrangida pela Operação Urbana sem que a sociedade tenha garantia de resultados satisfatórios.

Esse efeito decorre da possibilidade legal que é criada para que os empreendimentos imobiliários de grande porte possam  multiplicar imediatamente seus lançamentos com altos índices construtivos,  sem que se tenha ainda criado as normas urbanísticas, investimentos e obras públicas suficientes para neutralizar os problemas decorrentes dessa reurbanização aleatória.  Seja os relativos à  infraestrutura e serviços públicos ou a carências sociais e ambientais desatendidas, seja quanto à imposição arbitrária de demolições e remoções de moradores e usuários já assentados.

3-

Compromete definitivamente o imenso Capital Social representado pela várzea do Tiete, historicamente preservada da ocupação massiva do restante da cidade.     Essa área é  passível de ser ocupada de forma competentemente planejada,  capaz de atender aos anseios do conjunto da população e usuários e viabilizar a constituição de um novo Centro Metropolitano necessário à metrópole do futuro.

4-

Compromete-se as funções e qualidade do Plano Diretor em processo de elaboração, único instrumento constitucional competente  para definir de forma fundamentada e democrática as políticas públicas estratégicas  e plano urbanístico estrutural da cidade dos quais decorreriam os grandes determinantes do desenvolvimento da área da OUCAB.

Não tem sentido a promoção antecipada dessa Operação Urbana capaz de criar processos urbanos e intervenções virtualmente  contrárias aos conteúdos estratégicos do Plano Diretor. Na melhor das hipóteses isso poderia levar à desmoralizadora decisão

de se invalidar e refazer  Planos complexos e custosos para os quais a sociedade terá sido inutilmente mobilizada.

5-         Compromete-se e desvirtua-se o conceito de Operação Urbana e sua futura utilização. A serem mantidas as  falhas de concepção e encaminhamento,  projeto atual,  própria credibilidade do instrumento Operação Urbana é questionável,  apesar de sua virtual eficiência na promoção de transformações urbanas de interesse de toda a sociedade em zonas subaproveitadas e estagnadas mas de grande potencial.

De fato não se demonstra  a  potencialidade do instrumento para, através de projetos locais de reurbanização  promovidos conjuntamente pelo setor público e privado, criar novos pólos dinâmicos de desenvolvimento urbano,  capazes de produzir uma mais valia urbana importante, possível de ser captada e redistribuída pelo setor público para todos os integrantes da Operação e não apenas apropriada pelo setor privado.

Em São Paulo uma nova Operação Urbana teria ainda uma  missão peculiar:  a de corrigir o conceito que está na base das OUs  já instituídas em grandes áreas da cidade, nas quais se visou, antes de tudo,  constituir um balcão de negócios para a venda  aos promotores imobiliários de direitos de construir adicionais aos permitidos pelo zoneamento, em troca de modestos recursos adicionais para fundos cuja utilização jamais foi avaliada .face aos objetivos dos mesmos.

O projeto da OUCAB  apresentado não contribui  entanto para o resgate das virtudes essenciais do instrumento, nem ajuda a que ele seja reconhecido e exigido pela sociedade civil como confiável e socialmente necessário, muito além de sua obvia utilidade para o setor imobiliário.

6-          A condução apressada e autoritária da tramitação do projeto apesar dos defeitos e favorecimentos que contém, levanta justificáveis suspeitas na opinião pública que ele resulta de manobra inaceitável das forças econômicas dominantes na cidade, e de políticos cooptados por elas, o que definitivamente desprestigia a classe política.

Além de toda a sociedade, toda essa  classe teria muito a ganhar se o projeto for concebido e oportunamente  conduzido de forma mais serena,  responsável e democrática, que permitisse superar todos os problemas acima apontados como inaceitáveis.

I        Providências imediatas propostas por este Manifesto

Primeiro: A retirada imediata pelo Executivo do projeto de lei irregularmente enviado a Câmara Municipal pela Administração anterior a fim de viabilizar sua reelaboração oportuna de forma coerente com o Plano Diretor da cidade e com os requisitos de real participação popular.

Segundo: Que  os poderes Executivo e Legislativo promovam imediatamente, enquanto o Plano Diretor não é aprovado, os  estudos e debates necessários para preparar a sociedade para  avaliar e participar responsavelmente de um futuro projeto de Operação Urbana Consorciada.

Nesses debates destacam-se – desde já – como temas estratégicos cujo aprofundamento e socialização impõem-se absolutamente: i) O conceito específico de Operação Urbana;  ii) A inserção da Operação  no Plano Diretor;  iii) Potencialidades, requisitos e limites para o planejamento desejável da várzea do Tiete.

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Uma luz para a redenção da cidade em crise

LUIZ CARLOS COSTA

As indicações genéricas de Haddad sobre o Plano Diretor são preocupantes. Os poucos meses previstos para sua produção são insuficientes

Por que os problemas críticos da principal cidade do país vêm se agravando ao longo de décadas, sem soluções objetivas e sem que a mesma sociedade, usando os imensos recursos tecnológicos hoje disponíveis, consiga avanços comparáveis aos que obtém em outros campos da ciência e da economia?

Pensando nisso, segmentos mais conscientes e responsáveis da sociedade forçaram em 1988 a inclusão na primeira Constituição democrática do país da obrigação de cada cidade implantar um Plano Diretor.

Ou seja, uma política de desenvolvimento urbano capaz de gerar uma qualidade de vida satisfatória para seus habitantes, para a sustentabilidade de seu ambiente e para as condições urbanas indispensáveis ao desenvolvimento econômico e social.

No entanto, apesar dos dispositivos constitucionais aprovados em 2001, no chamado Estatuto da Cidade, os resultados alcançados em São Paulo são pífios. Há dez anos, estamos rodando em falso, à procura de um Plano Diretor eficaz.

O plano aprovado em 2002 jamais foi avaliado e completado como sua lei determinava. Sua revisão, prevista para 2007, foi encaminhada de forma tão arbitrária e autoritária em favor dos interesses imobiliários e das conveniências momentâneas do governo, que a sociedade organizada se rebelou e obteve do Ministério Público a interdição do processo, em razão da falta de participação popular exigida constitucionalmente.

O processo racionalizador da cidade que o Plano Diretor poderia ter promovido atrasou-se de mais de uma década. Isso aconteceu exatamente quando um boom imobiliário sem precedentes atingia os bairros mais bem estruturados, agravando congestionamentos e gerando efeitos ambientais desastrosos, como as inundações. Além de expulsar moradores de menor nível de renda para áreas precárias, de crescimento demográfico explosivo e com padrões habitacionais e de violência inaceitáveis.

Esse quadro sombrio acaba de se iluminar com a escolha de um novo governo municipal, que inicia sua gestão com o compromisso expresso de dar resposta objetiva aos problemas estruturais da cidade e de fazê-lo com intensa participação da sociedade civil.

Para tanto, porém, torna-se indispensável que a coordenação do plano designada pela prefeitura divulgue um esquema simplificado do processo de formulação do mesmo. E identifique setores e etapas do trabalho a ser articulados para conduzir aos produtos essenciais.

Sobre esse esquema de programação, as indicações genéricas divulgadas na semana passada são preocupantes. Basicamente porque os poucos meses previstos para a produção do plano são claramente insuficientes. Seja para a mobilização da sociedade, que deverá assumir o plano como obra sua. Seja para articular a produção de estudos interdependentes que fundamentem políticas públicas necessárias para transformar radicalmente a cidade nas próximas décadas.

Assim, a palavra continua com a coordenação do Plano Diretor. Somente depois dessa visão esclarecedora, a sociedade poderá apresentar -e certamente o fará- as críticas e sugestões objetivas que julgue essenciais ao pleno cumprimento do papel político e técnico-administrativo do plano.

LUIZ CARLOS COSTA, 77, professor doutor aposentado de planejamento urbano da USP, é diretor do Movimento Defenda São Paulo. Foi diretor técnico do Plano Diretor.

Publicado na Folha de S.Paulo em 5 de abril de 2013

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